Decidi gravar em áudio meu comprometimento de não usar o álcool como forma de escape. Acho que por texto, fica uma coisa bem impessoal, bem fácil de talvez ser “quebrado”. Por áudio, eu assumo um compromisso maior (e quem sabe eu grave um vídeo no futuro).
Você sabia, por exemplo, que a taxa de mortalidade em decorrência apenas do álcool é de cerca de 10,4 mortes para 100 mil habitantes (para a população negra e parda) e de 7,9 para 100 mil habitantes para brancos? Além disso, todas as outras doenças causadas pelo álcool terminam criando um cenário meio assustador para quem faz uso constante da bebida.

O CISA que é o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool possuí algumas estatísticas interessantes, em 2022 foram cerca de 20.045 mortes relacionadas ao álcool. Ao mesmo tempo que possuí umas estatísticas meio que complicadas:
- O consumo moderado é estabelecido como mais ou menos 2 doses em único dia, 14 na semana para homens. E uma dose em um único dia e até 7 na semana para mulheres.
- O consumo exagerado/binge drinking são mais de 4 doses para mulheres e mais de 5 doses para homens.
- A dependência do álcool é um nível um pouco mais acima, em que há transtornos mentais e comportamentais devido ao uso do álcool.
A alternativa para quem faz consumo exagerado do álcool no Brasil é o AA (Alcóolicos Anônimos). Honestamente, o AA não me desce. A pegada deles de ser uma instituição “sem religião”, mas que faz questão de citar “ser superior” e falar que somos “fracos” me parece mais uma seita do que qualquer outra coisa. Sem falar nos relatos de ex-membros do AA de que na recaída, você é considerado um fracasso, um perdedor.
Não é algo que me desce como sendo uma instituição terapêutica confiável. É como se você deixasse o álcool mais por medo do que possa acontecer com a sua alma do que, de fato, uma terapia.
Como não tenho problema em conversar em inglês e por também não acreditar nessa ideia de que somos fracos, eu decidi adotar o Moderation Management como alternativa. Apesar da fundadora ter falecido (de suicídio), e ter tido diversos problemas com o álcool, na verdade por incrível que pareça… foi logo após ela ter saído do MM e se juntando ao AA que ela bebeu, dirigiu e matou duas pessoas.
No exterior, quem deseja se livrar dos vícios possui diversas opções: SMART, Women for Sobriety, Pagans in Recovery, Association of Recovering Motorcyclists, Recovery Dharma, e uma infinidade de outros grupos.
Um grupo quase que ritualístico
Ao ver os 12 passos do AA eu me impressiono. Como alguém não consegue parar, ler aquilo e falar: nossa, parece uma seita. Vamos lá, para quem nunca leu:
- Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
- Percebemos que somente através da derrota total somos capazes de dar os primeiros passos na direção da liberação e da força. Nossa admissão de impotência pessoal finalmente produz e alicerce firme sobre o qual vidas felizes e significativas podem ser construídas.
- Realmente é terrível admitir que, com um copo na mão temos convertido nossas mentes numa obsessão tão grande por beber destrutivamente que somente um ato da providência pode removê-la de nós.
- Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.
- “… o Segundo Passo, sutil e gradualmente, começou a se infiltrar em minha vida. Não posso dizer a ocasião e a data em que vim acreditar num Poder Superior a mim mesmo, mas certamente tenho essa crença agora”.
- Bastava para o caso fazermo-nos uma lacônica pergunta: “Creio agora ou estou disposto a crer, que exista um Poder Superior a mim mesmo?” Uma vez que o homem possa responder que crê ou quer acreditar; asseguramos-lhe enfaticamente que está no caminho certo do êxito.
- Tão convencido estava de que Deus tinha me abandonado que ao final tornei-me provocador, embora soubesse que não devia agir assim, e mergulhei numa bebedeira. Minha fé tornou-se amarga e não foi coincidência. Aqueles que já tiveram uma grande fé atingem o fundo com mais dificuldade.
- Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.
- “É quando tentamos adaptar a nossa vontade à de Deus que começamos a usá-la corretamente. Para todos nós esta foi uma revelação maravilhosa. Todo o nosso problema resultou do abuso da vontade. Com ela tentamos atacar nossos problemas, ao invés de modificá-la para que estivesse de acordo com os designos de Deus para conosco. A função dos Doze Passos de A.A. é tornar isto cada vez mais possível e o Terceiro Passo é aquele que abre a porta”.
- Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
- Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
- Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
- Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
- Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e dispusemo-nos a reparar os danos a elas causados.
- Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
- Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
- Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.
- Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.
Certa vez, em uma reunião do AA, conversei com um mediador que era ateu. Ele dizia que apesar de ser ateu, ele seguia os 12 passos de forma bem centrada e que ele tinha uma percepção diferente dos “12 mandamentos” do AA em relação ao ser superior.
Sendo bem honesto, a partir do momento em que há a necessidade de se ter uma percepção diferente para se sentir incluído é algo que não me apetece. Não quero ficar à margem de um entendimento diferente de algo ou alguém..
A comparação entre o AA e o MM
O AA (Alcóolicos/Alcóolatras Anônimos) e o MM (Moderation Management) para mim, está principalmente no objetivo de cada um. Como vimos ali na definição do CISA, são 2 drinks para homens (cis provavelmente), 1 drinks para mulheres.
A premissa da MM é um limite de 4 drinks para homens, 3 drinks para mulheres. Muitos, por exemplo, pegam um copo, bebem aos poucos e somente pegam o próximo copo daqui a alguns minutos ou horas. O binge drinking na minha concepção é exatamente beber, 2, 3 drinks em poucos minutos. Sem dar tempo do corpo “processar” direito o álcool.
O AA preza a absoluta abstinência. O MM te permite escolher. Existem grupos no MM que optam por beber apenas a quantidade indicada e existem grupos que se abstém completamente. Além disso, eles fazem muito uso de ferramentas como apps para controlar o consumo de álcool. Algo que eu acho muito bacana, principalmente pois torna o seu consumo consciente.
What’s next?
Ok, falei, falei e falei. E quais são os próximos passos? Para começar, vou retornar ASAP para os encontros de quarta-feira do MM. Controlar o consumo de álcool sozinho é uma tarefa complicada.
Usar daquela premissa que falei no áudio:
- Estou estressado? Bolinho de chocolate ou dar uma jogada rápida para relaxar. Talvez tentar meditação.
- Quero perder a vergonha? Mas eu nunca tive vergonha pra ser sincero. É que às vezes estou tão cansado ou sem vontade de estar ali, que eu só queria sair 😀 – Acho que o que preciso é ser mais honesto agora em relação aos meus sentimentos. Não é muito adotar uma política do “foda-se”, mas ser sincero comigo e com os outros.
- Estou sentindo que se continuar bebendo posso fazer merda? Para. Ninguém te aguenta mais nesse nível descontrolado. Não é bonito, não é cool, só é feio mesmo. Se ninguém falou, é por que talvez você precise de novos amigos. Felizmente diversos amigos já falaram.
E também, evitar ter uma cirrose aos 33 anos. Isso é um outro ponto 🙂
Moderation Management no Brasil
Inclusive, queria comentar que estou pensando seriamente em trazer o Moderation Management para o Brasil. Apesar de dizerem que não preciso, necessariamente, acertar minha vida para trazer o MM para cá. Eu queria ser um mediador que pode ser uma referência para outros, então esse é um dos motivos pelo qual estou com essa meta.
Quem estiver interessado em participar do MM no Brasil, me avisa. Seria interessante já começar a mediação do grupo com gente interessada em participar 🙂